terça-feira, 20 de outubro de 2020

A RETA CONDUTA E A VERDADE

 

"Satyāt nāsti paro dharma”.

"Não há conduta (ou caminho) superior à verdade".

 

Assim está escrito em sânscrito no símbolo da Sociedade Teosófica criada no final do século XIX por Madame Blavatsky (Helena Petrovna Blavatsky) e que se traduz por: satyāt = à verdade; nāsti = não há; paro/para = superior; dharma = caminho, conduta, dever, lei, religião; portanto, “não há religião superior à verdade”.  Aqui, a palavra dharma é traduzida como religião, que tem um sentido bastante profundo e original, indicando o caminho, o serviço ou prática do ser humano para retornar à Fonte Suprema. Este é o verdadeiro sentido desta palavra, que vem do latim “religio”, ou seja, “serviço” ou “prática”, e que, por sua vez, tem origem no termo “religare”, significando “religar”. Mas, preferi adotar a palavra “conduta” ou “caminho” para fugir dos conceitos dogmáticos de uma crença que a palavra religião tem atualmente.


Dharma é uma palavra sânscrita complexa e que não há uma tradução direta e simples para qualquer outra língua. Dharma é um conceito. A palavra dharma vem da raiz sânscrita dhṛ, que quer dizer sustentar. Portanto o dharma é aquilo que sustenta, que possibilita, que regula, são as leis, os valores, um estilo de vida. Nosso primeiro impulso seria definir dharma como “o que é ético” ou “o que é moralmente correto”. Mas esse seria um erro; dharma é muito mais do que isso.

Dharma é visto como um dos quatro puruṣhārthas, ou objetivos da vida humana. Além de dharma, os outros puruṣhārthas são artha, kāma e mokṣha, segurança, prazer e liberação. Na busca de alcançar os objetivos de segurança e prazer, e satisfazer nossos desejos, nos deparamos com a necessidade de fazer escolhas. Expandimos nossa consciência e evoluímos a partir de nossas ações. Para agirmos, precisamos escolher as ações a serem tomadas. Através das escolhas, experimentamos as mais diversas situações de vida. Isto nos aprimora o discernimento, que nos leva a novas escolhas mais elaboradas e conscientes. Aceleramos este processo, quando tornamos nossa atenção plena na ação e passamos a perceber os detalhes das atitudes tomadas. Estejamos atentos e compreendamos cada detalhe de cada ação que escolhemos. E o que nos guia nessas escolhas é o dharma. No início de nossa caminhada existencial, artha e kāma são muito importantes, pois são eles que nos impulsionam a acumular inúmeras experiências e despertar a necessidade de agir com retidão.


Quando não há mais sentido em buscar adquirir coisas para se ter apenas segurança (artha) e agir para conquistar somente o prazer (kāma), então começamos a entender o que é dharma - um sentido em nossas vidas de agir pelo que é justo, bem aplicado e verdadeiro; o caminho do meio e a retidão de Siddhārtha Gautama, o Buddha. Assim se alcança a liberação (mokha). Como disse Mestre Yeshu'a em Mateus, capítulo 6, versículo 33: "Buscai primeiro (primordial ou principal) o Reino de Deus e sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas". Buscai principalmente o dharma e serás abençoado com mokha.

Outras tradições, como o Cristianismo, têm conceitos análogos. No Evangelho de João, capítulo 8, versículo 32 um dos mais importantes ensinamentos de Yeshu’a aos seus discípulos é: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". Neste versículo, Yeshu’a coloca a verdade como a prática suprema para se alcançar a liberdade. Com a verdade se desenvolve o discernimento e atinge-se a liberação. Mas, para se praticar a verdade, é necessário a construção de uma base sólida que começa com a descoberta de nosso propósito na vida.

Quando descobrimos nosso propósito na vida e avançamos pelo caminho com retidão e firmeza (dharma), criamos dentro de nós a capacidade de atrair o que é necessário ao nosso crescimento e isto nos traz a paz de espírito (śhānti). Entendemos que não precisamos mais invadir o espaço alheio nem tão pouco permitir que nos invadam; não transgredimos e muito menos violentamos as Leis Naturais do Universo (ahiṁsā).  Ganhamos a consciência de que tudo tem uma razão de ser e passamos a ter um grande afeto pela vida, pelos fatos e pessoas de uma forma serena e profunda, aprimorando o aspecto mais nobre do amor – o amor universal (prema). Desta forma, nossa vida passa a ser a mais pura expressão da verdade (satya).  Conscientemente, integramos esses valores humanos dentro de nós, representando de forma primorosa o nosso papel no palco da vida com lucidez e discernimento (viveka), até que alcancemos a liberação (mokha).

No Budismo Tibetano existe o conceito do caminho do meio, a reta conduta expressa no discurso de Siddhārtha Gautama sobre o “Nobre Caminho Óctuplo” do clássico “As Quatro Nobres Verdades” (Cattāri Ariyasaccāni, em pali; Catvāri Āryasatyāni, em sânscrito) e no Dhammapada (Dharmapada, em sânscrito), um dos principais textos do Budismo Tibetano. As quatro nobres verdades são: (1) a verdade do sofrimento; (2) a verdade das causas do sofrimento; (3) a verdade da cessação do sofrimento; (4) a verdade do caminho para a cessação do sofrimento.

Resumidamente a primeira nobre verdade expõe a natureza do sofrimento e o entendimento sobre o sofrimento, ou seja, tomar consciência do que é o sofrimento. A segunda nobre verdade faz uma análise sobre a origem do sofrimento para que não haja recaída no sofrimento, ou seja, o que fazemos que causa a manifestação do sofrimento. Na terceira nobre verdade entende-se de como se libertar do sofrimento, compreendendo o dharma e que, portanto, somente através de nossas ações podemos nos libertar do sofrimento. Finalmente na quarta nobre verdade aprendemos como agir para se libertar do sofrimento, pondo em prática o caminho óctuplo, que é o caminho do meio da reta conduta, a saber: compreensão correta, pensamento correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta e concentração correta.

Termino com um conselho de Padre Pio. Reflitam: “Aja com retidão, mesmo se parecer que todo o inferno vai se voltar contra você”! Tirem suas conclusões.

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