A medicina indiana é chamada de Āyurveda, pois, desmembrando a palavra sânscrita, āyus significa vida e veda, ciência ou conhecimento. Portanto, Āyurveda significa ciência da vida e está fundamentado em seus dois principais tratados: Caraka Samhitā e Suśruta Samhitā. O Āyurveda classifica o processo de instalação da doença em seis etapas (kriyākāla): (1ª) acúmulo (sancaya), (2ª) agravamento (prakopa), (3ª) transbordamento (prasāra), (4ª) relocação (sthāna samśraya), (5ª) manifestação (vyakti), (6ª) diferenciação (bheda).
O Ser humano está em constante movimento, adaptando-se a sucessivos desequilíbrios, ou seja, alternando-se entre desequilíbrios e reequilíbrios. Isto é crescimento, isto é saúde. Quando por sucessivos embates físicos, psíquicos, comportamentais ou espirituais não conseguimos nos reorganizar em relação as constantes ondas de desequilíbrios, nos afastamos da saúde e do crescimento. Isto é estagnação, isto é doença. O desencadeador da doença pode aparecer tanto na mente como no corpo. De qualquer modo haverá um desequilíbrio em um ou mais dos três humores ou princípios biológicos denominados de dosha: vata, pitta ou kapha. Os doshas são três estados biológicos que estão por trás de qualquer ação do corpo ou da mente e são a base de todo pensamento do Āyurveda. Eles são formados pelos pañcamahābhūta.
Mas, o que é isto? Pañcamahābhūta são os cinco elementos grosseiros que compõem a natureza. Em suas inúmeras combinações, eles formam toda a matéria do Universo. No sânscrito pañca significa cinco; mahā significa grande e bhūta é elemento. Portanto, pañcamahābhūta significa os cinco grandes elementos ou os cinco elementos básicos. Esses elementos são: prthivī (terra, dando a sensação do sólido quando se encontra predominante), āpah (água, dando a sensação do líquido quando se encontra predominante), tejas (fogo, dando a sensação do ígneo quando se encontra predominante), vāyu (ar, dando a sensação do gasoso quando se encontra predominante) e ākāśa (espaço, dando a sensação de vazio quando se encontra predominante).
Pela ação conjunta de ākāśa (espaço ou éter) e vāyu (ar) manifesta-se vata; da união de tejas (fogo) com āpah (água) manifesta-se pitta; e, de āpah (água) com prthivī (terra) manifesta-se kapha.
Vata produz todos os movimentos, desde o celular e corporal até o mental (pensamentos): movimento dos olhos e músculos, dinâmica respiratória, pulsação cardíaca, peristaltismo e produção das secreções digestivas, memória e fluxo do pensamento. Pitta comanda todas as transformações do corpo e da mente: digestão propriamente dita, preparando o alimento para assimilação, metabolismo celular, desenvolvimento do conhecimento no cérebro, transformando e comparando dados, discernindo-os e concluindo-os. Kapha promove a estabilização e estruturação do corpo e da mente: protege e estrutura órgãos e tecidos, lubrificando-os, estabiliza as funções cerebrais, serenando a mente.
Agora, tendo explicado o conceito fundamental do Āyurveda, voltemos ao processo de instalação da doença. Devido a uma alimentação errônea ou por reprimir as emoções, ou ainda, por embates espirituais, um ou mais dos três dosas vão gerar toxinas (ama) que se acumularão nos tecidos (dhatus) e nas áreas mais frágeis do corpo. Ama é a causa de toda doença. Em todos os casos, ou seja, tanto na má alimentação como na contenção das emoções ou choques espirituais, haverá prejuízo da ação do fogo digestivo (agni). A inibição do fogo digestivo causa a redução de metabolizar e transformar os alimentos em componentes que vão estruturar e dar energia ao corpo e à mente, gerando toxinas e estabelecendo o primeiro estágio de instalação de todas as doenças. A alteração ou diminuição da percepção do sabor dos alimentos, a sensação de peso no estômago, o mau hálito, a boca amarga, o muco espesso sobre a língua, a micção e evacuação de pouca freqüência, o cansaço, a obnubilação dos sentidos e o torpor mental são alguns dos sinais da presença de toxinas (ama) no organismo.
Segundo o Āyurveda, o desequilíbrio começa no tubo digestivo (kapha no estômago, pitta no intestino delgado e vata no cólon). No primeiro estágio (acúmulo), qualquer desequilíbrio pode ser debelado e há um aumento do dosa em sua região característica, com sinais e sintomas caracterizados por pequenos desconfortos como: (1) constipação, gases, boca seca, medo e ansiedade se vata estiver em excesso; (2) acidez estomacal, sensação de queimação, raiva e crítica se o excesso for de pitta; ou (3) letargia, pouco apetite e peso se kapha estiver agravado.
No segundo estágio (agravamento), os sinais e sintomas ficam mais nítidos e o excesso do dosa invade outros órgãos e tecidos, deixando sua região característica no tubo gastrintestinal. Aqui, o vata agravado gera um quadro de aumento dos gases e da constipação, com pés e mãos frias e secura no corpo. O agravamento de pitta leva a azia, indigestão, dor em queimação na região umbilical e excesso de crítica. Já o kapha agravado produz náuseas, sonolência, pequenos inchaços e aumento da salivação.
No terceiro estágio (transbordamento), os sinais e sintomas se modificam, dificultando encontrar o desequilíbrio, já que as toxinas do dosa agravado invadem os canais (srotas) dos tecidos mais frágeis. Nesse estágio, o vata agravado se caracteriza por cansaço, mente agitada, preocupação, medo e ansiedade; enquanto o excesso de pitta manifesta um quadro de sensação de queimação na passagem da urina e fezes, fezes amareladas e digestão acompanhada de dor. Já no agravamento de kapha encontramos um quadro de aumento de peso e de muco, edemas e vômitos.
No quarto estágio (relocação), os tecidos que se apresentam enfraquecidos são invadidos pelo excesso de dosa e se combinam, gerando subprodutos de qualidade inferior e, por isso, tóxicos ao organismo. A fragilidade de um tecido pode ocorrer por inúmeras razões: hereditariedade, traumas físicos ou psicológicos, bloqueios emocionais, vícios, doenças anteriores ou infecções, hábitos inadequados e karma (ações de vidas passadas). Neste estágio, só ocorrerá o adoecimento se houver um ponto fraco em algum tecido, pois as toxinas que circulam pelos canais (srotas), encontrando o ponto fraco, se depositam nele e iniciam a doença. É o caso da alta taxa de glicose no organismo que causa sede e urina excessiva, podendo desviar a doença para uma retinopatia ou insuficiência renal.
No quinto estágio (manifestação), a doença se desenvolve, manifestando vários sinais e sintomas. Aqui, devido aos altos níveis de toxidade do dosa em agravamento, a doença se enraíza no tecido fragilizado, causando sintomas específicos em um órgão ou sistema, como é o caso da hipertensão, diabetes, cálculo hepático, úlcera gástrica, entre outras.
No sexto estágio (diferenciação), a doença alcançou seu patamar mais grave. O dosa excessivo acaba com a pouca funcionalidade que restava no sistema, surgindo complicações em outros órgãos e levando o organismo ao enfraquecimento geral. Na visão ocidental é o que acontece, por exemplo, com a artrite, que além de seu lugar comum (as articulações), acaba afetando os rins.
Assim surgem as doenças segundo a visão da medicina indiana.
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